sábado, 15 de janeiro de 2011

9 causas da tragédia ( RJ) e o que fazer para evitar sua repetição

1. O que transformou uma chuva comum no verão em uma catástrofe?
Um acúmulo de umidade ronda os morros da região serrana do Rio de Janeiro. Seu nome: Zona de Convergência do Atlântico Sul. É uma concentração de nuvens que sai do sul da Amazônia, passa pelo Centro-Oeste, chega ao Sudeste e se move para o oceano. Ela ocorre nos meses quentes, entre outubro e março, e ajuda a formar a umidade dos verões. “Uma das principais características desse fenômeno é a longa permanência”, afirma Gustavo Escobar, coordenador do grupo de previsão de tempo do Centro de Previsão de Tempo e Estudos Climáticos (CPTEC). “Ele chega a ficar até cinco dias em uma mesma região.” Na semana passada, o fenômeno provocou um volume de chuva anormal. Num período de 24 horas, entre a terça e a quarta-feira, 182,8 milímetros de água caíram sobre Nova Friburgo – quase o total esperado para janeiro. E um volume de 124,6 milímetros castigou Teresópolis. Petrópolis não tem estação de medição. O volume de chuvas na região durante a madrugada da quarta-feira só perde para um recorde registrado há 45 anos. “Áreas que não seriam tecnicamente mapeadas como sendo de risco foram totalmente destruídas pela força das águas”, afirma Luiz Firmino, presidente do Instituto Estadual do Ambiente do Rio de Janeiro (Inea). “Houve escorregamentos de terra até em áreas intactas do Parque dos Três Picos, semelhantes ao que aconteceu com a pousada Sankay, no ano passado, na Ilha Grande.”


2. Como as características do solo influenciaram o desastre?
A explicação para a tragédia não se restringe apenas à quantidade de chuvas ou à geografia dos morros. Ela remonta à ocupação das áreas urbanas no Brasil. Durante a formação das cidades, pouco se respeitou o funcionamento natural do solo. As margens dos rios, responsáveis pela absorção da chuva, foram cimentadas. Os rios que corriam sinuosos viraram canais retos, pistas de corrida para as águas deslizarem com velocidade. Na região serrana, muitas construções recortam as encostas dos morros. Sem floresta nativa para fixar a terra às camadas de rocha, o solo fica mais frágil. Quando vem a chuva, ele não consegue absorver a água e arma a avalanche. “A região da Serra do Mar não é para ser ocupada”, afirma o geólogo Álvaro Rodrigues dos Santos, ex-diretor de planejamento e gestão do Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT). “Mas as ocupações continuam aumentando sem nenhum rigor técnico.”
Durante as últimas chuvas, a região serrana do Rio registrou um fenômeno parecido com o ocorrido em Angra dos Reis, mas com uma sutileza – além dos deslizamentos, houve o que os especialistas chamam de corrida de lama. A água arrastou detritos das montanhas para os rios dos fundos dos vales. O que eram pequenos riachos se transformaram subitamente em rios caudalosos que arrastaram o que havia pela frente. Em Petrópolis, o Rio Santo Antônio subiu quase 6 metros. A velocidade das águas chegou a 80 quilômetros por hora. “A tromba-d’água de uma corrida de lama forma uma avalanche com poder de destruição tremendo”, diz Santos.

3. Um sistema de alertas mais eficaz teria poupado vidas?
Das cidades serranas atingidas, apenas Nova Friburgo conta com um sistema de medição pluviométrica capaz de pôr em alerta a Defesa Civil. Ainda assim, o alarme só foi disparado quando os rios já estavam transbordando e não havia tempo de evacuar a população em área de risco. Mesmo zonas consideradas seguras, como o centro da cidade, viraram cenário de destruição, como se tivessem passado por um terremoto. “Famílias que vivem ali há um século jamais tinham testemunhado coisa parecida”, diz Luiz Firmino. Para evitar futuras tragédias, é preciso contar com um sistema que, além de prever, possa avisar as pessoas para deixar áreas de risco a tempo. O Japão tem uma tecnologia que detecta tremores e lança alertas contra terremotos. O aviso chega aos meios de comunicação até 20 segundos antes do abalo. Pode parecer pouco, mas é essencial para que as pessoas consigam se proteger e evitar danos maiores. Os Estados Unidos têm um sistema de previsão e alertas há 200 anos. Hoje, um site avisa a população das cidades sobre nevascas, furacões e outros riscos com até quatro dias de antecedência. “Por causa das mudanças climáticas, a volatilidade do clima está muito maior”, diz Carlos Nobre, chefe de Ciência Terrestre do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). “Uma das consequências é a concentração de águas em um período do ano. Se fosse mais espaçado ao longo do tempo, não causaria tragédias. Por isso é importante contar com um sistema de alerta eficiente.” Desde o dia 28, o órgão conta com um supercomputador para aumentar a precisão das previsões. Custou R$ 50 milhões e espera-se que ajude a prever com mais eficácia os grandes temporais.




4. Os estragos seriam menores se não houvesse desmatamento nas encostas?
Solos montanhosos já são especialmente vulneráveis, mas, quando existem florestas conservadas, as encostas ficam mais protegidas pela vegetação. Em áreas de escarpas rochosas e solo muito fino, é difícil impedir o estrago. A água encharca o solo e faz com que ele deslize sobre a rocha, montanha abaixo, na forma de lama. No vale, a falta de drenagem, que já é um problema em circunstâncias normais, transforma-se em pesadelo com a descida repentina da lama e das águas. O potencial de destruição é enorme.


5. Como conter a ocupação irregular do solo?
Muitas casas são construídas sem levar em conta a vulnerabilidade do espaço. Por causa da pobreza e da deficiência do sistema de transporte, muitos se sujeitam a morar em áreas de risco. Essas ocupações costumam remover a cobertura vegetal do terreno e bloquear os canais por onde a água escorre. Sem falar na ocupação das planícies às margens de rios, áreas proibidas para construções por inundarem facilmente. Os moradores dessas áreas são as primeiras vítimas das chuvas. “Uma solução é as empresas terem responsabilidade social”, diz Willy Lacerda, engenheiro geotécnico da Coppe/UFRJ. “Elas deveriam investir em moradias em áreas adequadas para seus funcionários quando se instalam numa certa região.”


6. Há como evitar novas tragédias mesmo sem remover as pessoas que vivem na região?
As chuvas fortes (e devastadoras) de verão não vão deixar de acontecer. Elas fazem parte do ciclo natural do clima – e, com o aquecimento global, deverão ficar ainda mais intensas. A cidade do Rio de Janeiro já começou a se mexer para evitar catástrofes. A Fundação Instituto de Geotécnica (Geo-Rio) terminou no final do ano passado um mapeamento dos imóveis em situação de risco da cidade. É um levantamento inédito. As autoridades agora sabem onde está cada uma das 21 mil casas em solos frágeis passíveis de desabar. É o primeiro passo para agir. A cidade também comprou um radar capaz de prever tempestades com antecedência de uma hora. O tempo é curto, mas pode ser suficiente para os moradores de áreas de risco deixarem suas casas. Orçado em R$ 2,5 milhões, o equipamento vai servir a região metropolitana do Rio. O Estado ainda não tem nada parecido.
O governo do Estado também quer fazer um mapa das áreas de risco. Até agora, só seis cidades do Estado têm um levantamento do tipo (Nova Friburgo, Petrópolis e Teresópolis estão nessa lista). O Serviço Geológico do Estado do Rio de Janeiro quer ampliar esse número em mais 30 municípios. O trabalho vai custar cerca de R$ 3 milhões. “Até o final do governo, a ideia é cobrir as 92 cidades do Rio”, diz Flavio Erthal, presidente do Serviço Geológico. “Temos um passivo imenso. Precisamos de uma estratégia rápida de enfrentamento.”




7. É justo culpar as prefeituras?
A maioria das prefeituras tem mapas de risco, mas o método com que esses mapas são produzidos é contestado por especialistas. Os cálculos são feitos com base em dados incompletos e desatualizados. Caso esses mapas fossem mais precisos e as pessoas fossem retiradas das áreas de risco, tragédias como a da semana passada poderiam ser evitadas. “É só ver o tamanho do desastre e constatar que é impossível que um mapa de diagnóstico decente não tenha observado fatores de riscos tão óbvios nessas regiões”, diz Ana Luiza Coelho Netto, pesquisadora do Instituto de Geociências da UFRJ.


8. Qual é a responsabilidade do governo federal?
As verbas federais precisam chegar aos municípios. No ano passado, o Ministério da Integração só repassou 39% dos recursos disponíveis para prever e evitar desastres naturais para as prefeituras. Uma parte desse valor serviu para pagamento de dívidas de anos anteriores e não para a realização de obras. O Rio de Janeiro recebeu 0,6% dessas verbas, que foram repassadas só para três municípios. Além disso, dados do Sistema Integrado de Gestão Financeira do Governo (Siafi) mostram que a União não repassou os R$ 21,7 milhões previstos para obras de drenagem. “Dependemos de vontade política. Existem tecnologia, recursos humanos, metodologia e técnicos para realizar o trabalho, mas a vontade ainda não chegou à área de prevenção”, afirma Moacyr Duarte, especialista em gerenciamento de riscos da Coppe/UFRJ.


9. Até que ponto as mudanças climáticas têm culpa na tragédia?
Os cientistas ainda não são categóricos ao relacionar as mudanças climáticas às catástrofes isoladas (como a da região serrana do Rio). Segundo eles, é preciso um período de 30 anos de eventos extremos para avaliar se há, de fato, alguma relação com o aquecimento do planeta. A despeito do conservadorismo, os especialistas do clima já dizem que as estiagens prolongadas e as chuvas severas vão ser mais frequentes e intensas. A partir de 2030, as elevações de temperatura causarão indiretamente cerca de 1 milhão de mortes por ano, segundo um estudo apresentado na Conferência do Clima, em dezembro, em Cancún, no México. O prejuízo ficaria em torno de US$ 157 bilhões.
“Já sabemos que não vai levar mais tanto tempo para acontecer outra tragédia como essa”, afirma o economista Sérgio Bessermam Vianna, especialista em adaptação de grandes cidades às mudanças climáticas. “É obrigatório mapear as áreas mais frágeis e proteger as populações vulneráveis.”

Um comentário:

  1. Os verdadeiros culpados são aqueles que permitiram a construção dessas casas. Onde estava a fiscalização, será que essa casas foram construidas do dia para noite? Todos estamos envolvidos,govêrno que fingiu que fiscalizou,nós que queríamos fazer nossas casas numa área mais barata e pagando um ¨faz-me rir¨, posso ficar tranquilo.Não acreditei que a natureza ia fazer isso comigo. Mas eles falaram que tava tudo acertado, que nada ia acontecer. Eles parecem flanelinha,dá o dinheiro eles somem.

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